sexta-feira, 24 de setembro de 2010

ABRAÇO


bom é o abraço
que quando acontece
nunca se sabe
quem é um
e quem é o outro

perfeito é o abraço
que quando acontece
nunca se sabe
qual dos dois
se é

os braços se amarram
os olhos se fecham
e então, 
com a mesma delicadeza
dos rostos que encostam,
os corações abrasam
e o mundo grande
cabe todo
em cima dos pés


[ Foto: Vertumne et Pomone, Camille Claudel – 1905 – Foto: Amanda Fonseca,  numa de suas viagens a Europa, andando pelos jardins de Paris, num ano bem mais recente. A única coisa que me passou pela mente ao ver essa foto que a Amanda me mandou por e-mail, além de Camille Claudel na pele da Isabelle Adjani no filme francês de 1988, foi a essência do abraço. Esse é um abraço perfeito.]



 

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

VINTE E UM REAIS E CINQUENTA CENTAVOS

Uma e vinte um no bar!

Música ao vivo meio Morta!

- No mínimo morna!

 

Eu fiz a conta

e deu um garçom

para cada 6,25 pessoas!

 

Na metade fumarenta e obscura,

uns vinte gatos pingados

fazem barulho...

 

Na metade sem fumaça,

eu, um casal de lésbicas

e um outro de sexo opostos...

 

Pelas paredes

as fotos desbotadas que,

assim como eu,

há muito tempo

não dizem muito...

 

E meu estômago, de fome,

que canta melhor que a guria,

no palco diminuto,

que pensa que canta!

 

Claquete sem anotações pra edição!

"Remake" do filme da minha vida

que ninguém viu, nem eu...

 

E o miserável repertório

rolando impune

e que é capaz de forjar duetos improváveis:

Scorpions e Alanis Morissette;

Pato Fu e Ana Carolina misturados...

Se eu fosse dar uma nota, dava zero!

 

Coca-Cola zero e gelo, esses sim!

- Pastel de queijo e frango a passarinho...

 

E, pra variar, eu antes das duas, enojado,

pagando a conta e saindo sozinho!

 

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

AMOR DE SAL, MUMU E YPIÓCA

como amor pra vida

o rio e o mar pra pororoca,

o sal está pra pipoca

como o mumu pra tapioca

o limão, o açúcar e o gelo

...pra ypióca

 

o amor está no ar

na sorte e no azar

 

está no fogo e no jogo

na água e na mágoa

 

o amor é gelo e fervura

é gosto, gastura e gostosura

 

é um fio de navalha

ou de cabelo

o amor é um apelo

um grito no escuro

é um ai duro e puro

 

o amor está no poema

e no tema

é vogal que às vezes

precisa de trema

 

está na moldura do quadro

na frente, atrás

desse ou daquele lado

 

o amor é meu, é teu

por inteiro ou pela metade

 

está nas vontades

das puberdades

e das maturidades

nas pontas e meios

das longitudes

e latitudes

e é alheio

às vicissitudes


[ Mumu = É como se chama doce de leite pastoso no sul do Brasil ]

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

SONHOS AMARROTADOS


mergulhado em tristeza sem fundo
em inadequação do tamanho do mundo
procuro estrelas e só acho pontos de luz difusa

o sorriso se apaga
quando a luz das duas estrelas dos olhos se fecha
parca retórica até bonita, quando feio é quem usa
quero entrar noite adentro e sair ileso
mas com todo esse peso
a única brecha, mais veloz que flecha, se fecha...

soterrado por pensamentos estranhos
espero segundos mais lentos que passo de tartaruga
e como um paquiderme
rengueando para se safar do perigo
ostento a milésima fuga
e falo muito sem nem entender o que eu digo

não sei se são esperanças ou esperas inúteis
pego no sono com o cotovelo na mala e a mão no queixo

por dentro uma fala que insiste em gritar
mas que não deixo

e ao meu lado andando serenamente
aquele pedaço da noite de maior solidão
em que até os bêbados
e os que roubam carros já dormem

arrasto passos lentos mergulhado em tristeza
vou como se estivesse cavando buracos
no fundo de um imaginário poço

alguém me chama
parece ser do outro lado da rua
mas é a minha própria voz que eu ouço

e sei então que é hora de guardar
o vazio e a solidão dentro um do outro
e fazer como fazemos com as bolas de meia
entre as roupas da mala

ou as meias, ou as roupas se acomodando
ou simplesmente amassando

como amassados, por vezes ficam,
os lisos papéis das escrituras de posse
dos nossos sonhos adiados
que vão se amontoando...

[ NOTA: Sentei e comecei a ler. Não era uma história qualquer, era a história de uma das meninas, da série "As Meninas" da Deia do blog Rumo à escrita.

Estava lá o título “A menina e a noite - da série as Meninas - 6" me convidando para uma boa leitura. Em determinado ponto, a imagem dos minutos que se amontoam enquanto vamos esperando me fez pensar nas noites inteiras em que nos sentimos frios e vazios, a ponto de adormecer com o corpo pesado, pendendo sobre nossas malas e apenas com a noite no lugar do telhado. Na mesma hora, num comentário que deixei sobre o post, eu comentei com a Deia que aquela bela imagem, se bem explorada, daria um bom ponto de partida para uma nova poesia.

No mesmo dia ela veio aqui para me fazer um pedido. Perguntou: “porque não escreve o poema que imaginou ao ler aquela frase lá no Rumo”? Então eu reli “A menina e a noite”. Parei de novo no ponto do texto que me sugeriu as imagens e comecei a escrever.
Depois duma troca de e-mails com a Deia, eu enviei os versos acima, em primeira mão, para que ela “sentisse” a poesia. Sugeri que ela escolhesse uma imagem que casasse com a poesia e um título adequado, enfim algo da sua cabeça e que tivesse a ver com os sentimentos que a poesia despertasse nela.

Então ela escolheu essa foto fantástica que combina perfeitamente com as coisas que transitaram por minhas estranhas e escondidas avenidas quando concebi esse poema. E o título “Sonhos Amarrotados” é como uma roupa de festa cobrindo o meu poema com simplicidade e delicadeza.

Por último combinamos publicar em nossos respectivos blogs, de forma simultânea os meus versos, ao acompanhamento do título e da imagem escolhidos pela Deia. Um casamento perfeito para que vocês aproveitem e, depois, lá no Rumo à escrita ou aqui no Pelos caminhos dos plátanos deixem seus comentários."]