quarta-feira, 25 de novembro de 2009

EPICENTRO


Minhas mãos são livres...
Escrevem, desenham arte pura.
Tem um jeito de te agarrar
próprio de quem não se segura...

São como o vento num campo de trigo dourado.
Como um arrepio que se espalha por todos os lados!

Minhas mãos passeiam teu corpo
como se o movimento fosse a nossa linguagem...
Como se em ti o menor toque
nascesse pra ser uma grande viagem...

Eu perco a capacidade de contar as horas
por que quando estou em ti,
tudo que queria ter, eu tenho agora...

Então me desconcentro;
e sinto que teu corpo é um terremoto
e o meu, é o epicentro...

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

PAI



[ No último dias dos pais, eu visitei o blog do meu amigo verseiro, o Élcio. Fiquei babando ao me surpreender com que carinho e devoção ele se referia ao seu pai. Deixei um comentário lá. Disse ao Élcio que admirava tudo aquilo que ele disse e tudo mais, mas que eu, eu mesmo não tinha muito para dizer e que, de certa forma, eu o invejava. A partir daí, estabelecemos uma comunicação e o Élcio, literalmente, me desafiou a escrever alguma coisa a respeito do meu pai. O Élcio fez um trabalho quase que de psicólogo. Me disse entre outras coisas que eu me sentiria bem escrevendo. E foi o seu incentivo que me fez escrever esse longo poema. São versos livres. Totalmente despreocupados com coisas tais como ritmo e essas outras características que marcam as poesias. Mas, se por um lado, você tiver paciência, tempo e, principalmente, empatia para se colocar no meu lugar, observará facilmente que escrevi essas coisas não com os dedos ou com o intelecto. Essas coisas saíram direto do coração numa manhã nublada em que sentei no parapeito do belvedere da ferradura do Rio das Antas. Pensei no seu Divo. Era esse o seu nome. Pronto, nuns três guardanapos de papel ( desses que tem em toda mesa de restaurante ), em cerca de meia hora ou só um pouco mais, essas lembranças que registrei e esses sentimentos me vieram aos borbotões. Quase não publiquei. Mas agora está aí. Se quiser entrar na minha emoção e em minha relação truncada com o meu pai vá em frente. Poderá achar piegas. Poderá se emocionar. Poderá se identificar. Poderá achar ótimo ou muito ruim. Mas saberá que é isso que eu tenho para falar dele com toda franqueza e simplicidade que isso merece. ]

PAI

Ele era para ser meu amigo.
Mas isso nunca deu muito certo!
Por que meu pai sempre esteve em todos os lugares
- menos quando precisava estar por perto.

Era para termos ido tomar uma média com pão e manteiga
em seu dia de pagamento.
Mas o seu tempo dormia
enquanto o meu acordava.

Senti muita falta de um pai do lado
nas vezes em que troquei os pés pelas mãos.
Mas não adiantava eu me sentir sozinho
- eu sempre soube que ele não apareceria!

Não tivemos chance de ouvir um ao outro.
Na verdade não tivemos muita chance de nada.

É que ele não foi meu amigo do jeito que podia ser.
Lamento nunca termos saído para tomar chope.
Eu nem lembro dele me pagando um sorvete.

E hoje, quando as pessoas falam dos pais
com carinho e saudade;
eu sempre me pergunto o que há de errado comigo
que eu nunca tenho muito para falar do meu.

É que eu brincava sozinho.
E os braços e os beijos eram daquela outra pessoa
- a mãe.

Um dia eu joguei a bola furada de plástico no telhado;
ele viu e eu só não apanhei porque ela se colocou no meio.
Caramba! Foi uma cena e tanto!
O velho aquele dia se sentiu desafiado!
Os seus olhos faiscavam!

Uns meses depois eles se divorciaram.
E o divórcio é dos pais, mas também dos filhos!
Eu também me divorciei!

Ficaram lembranças vagas!
Lembro de uma noite muito fria de inverno...
Eu e a mãe voltando para casa por volta das dez...
Dez da noite e ele já tinha ido dormir!
Era época de pouco dinheiro
e a única coisa que ele conseguiu deixar para nós
foi uma carreira de biscoitos de polvilho doce na mesa;
- quatro biscoitos
daqueles que, se não tomamos cuidado,
grudam no céu da boca de tão secos.

Quatro biscoitos. Lembro até do cheiro!
Eles os quatro. Bem ali na beirada da mesa.
Dois para cada um, pensamos...
O meu primeiro eu devorei.
No máximo duas mordidas.
Mas o segundo era o último.
E este eu fui comendo migalhinha por migalhinha antes de dormir.
Assim durou mais!

Talvez o meu pai tinha um coração como o meu.
Ou talvez eu tenha um como o dele.
Pois já tive algumas idéias parecidas
- embora não necessariamente encarreirando biscoitos!

Depois daquela noite fria,
depois que o meu segundo biscoito acabou;
algum tempo depois, ele se foi de casa.
Agora era definitivo!
Morando em outra cidade
eu só o veria uma vez por ano.

Eu era um guri divorciado.
Mas que tal?

Então, toda vez que nos encontrávamos eu lhe dava um beijo.
E todas as vezes a sua barba por fazer me arranhava.

Meu pai foi ausente e eu senti muita falta dele a minha vida toda.
Eu era pequeno e ele trabalhava no trem.
Nunca tinha muito o que conversar comigo.
A maior parte do tempo não estava em casa; mas com alguém.

Mas hoje quando eu faço carreteiro para os amigos e eles adoram,
eu deveria dar o crédito para ele...
Aprendi a fazer o bendito do carreteiro
de tanto ver ele cozinhando em seu fogareiro primus
que cheirava fumaça e querosene.

Ele gostava de tomar café com leite numas canecas grandes.
Muitas vezes eu o vi quebrando biscoitos
e mergulhando os pedaços na caneca.
Era quase um ritual fazer aquela sopa sumir
usando uma colher grande.

Meu pai não era muito de futebol.
Gostava do Grêmio e eu nunca gostei do Grêmio
por ser a minha vida inteira Internacional.
Mas ele era tão desligado
que eu nunca tive como fazer piada quando o Grêmio ia mal.
- Ele também nunca fez piada quando o Inter ia mal.

Deixou a mãe e nunca me fez qualquer pergunta a respeito dela.
Diferente dela que uma vez, quase vinte anos depois,
me disse que ainda o amava.

Meu pai era assim. Voz baixa. Fraca. De poucas palavras.
Barba por fazer. Não fumava. Não bebia. Ia a bailes.
Dançava muito. Era namorador.
Depois da minha mãe ele teve muitas outras mulheres;
mas eu só conheci duas.
Aquelas mulheres eram estranhas.
Parece que não faziam parte da paisagem.
Estavam sempre deslocadas.
Até o nome delas era estranho.

Ele tinha um fusca azul velho
e precisava de óculos para dirigir.
Agarrado no volante
e com a testa quase grudada no pára-brisa.
Ele sozinho no volante era um perigo.
Nos últimos tempos quando a gente saía junto
ele sempre me dava a chave do carro.

Um dia ele não viu o caminhão e não morreu por sorte.
A traseira do fusca teve de ser refeita.
Mas ele, danado, nem um arranhão.

Meu pai era viciado em rádio.
Teve diversos rádios de pilha.
Diversos modelos.
Na velhice via muita TV
mas sempre estava às voltas
apertando os botões errados do controle remoto.
Sei lá o que ele via. Não gostava de filme. Não via futebol.
Talvez via novelas e todos telejornais.
Mas eu não tenho certeza.

Um dia eu peguei ele dormindo com a TV no último do volume
e era o dia do desfile das escolas de samba do Rio.
Talvez estivesse começando a ficar surdo
para dormir com toda aquela zoeira.

O melhor presente que ele me deu
foi uma máquina de escrever portátil novinha.
- Olivetti Dora vermelha.
Eu já era adolescente quando escrevi minhas primeiras coisas nela.
Era a máquina ou um rádio Philco de pilha.
Foi muito difícil a escolha
por que eu queria os dois.
Fiquei com a Olivetti
e uns meses depois minha mãe,
sabendo que eu queria muito,
me deu um rádio Wansat
- também vermelho.

Eu era o guri mais sortudo do mundo!
Tinha meu próprio rádio!
Tinha minha própria máquina de escrever!
Mas que tal? Bom, hein!

Ainda assim eu sabia que meu pai era triste. Solitário.
Não bebia, mas estava sempre Vermelho.
Usou marcapasso uns dez anos.
E naquela última década,
o marcapasso era talvez a única coisa certa em seu peito.

Quando ele se foi; eu não chorei.
Doeu mais ver os meus irmãos chorando.

Hoje parei o carro no belvedere da ferradura do Rio das Antas.
- quem não sabe, fica entre Bento e Veranópolis.

Estava olhando a paisagem e fiquei pensando no velho Divo.
Era assim que se chamava.
Queria mostrar para ele esse lugar de sonho
e depois almoçar numa bela cantina italiana.

Mas agora eu sei que não vou mais,
( nunca mais )
beijar seu rosto nem sentir sua barba.

O que ficou dele foram esses fragmentos de história.
O cartão magnético da Caixa Federal
e a carteira de identidade com o carimbo:
- maior de sessenta e cinco anos!
Por alguma razão que não sei ficaram comigo.
Estão lá em casa no fundo da gaveta da escrivaninha.
Únicas lembranças que ficaram!
Queria o relógio de pulso mas meu irmão mais velho foi mais rápido.
Se soubesse que ele iria vender eu teria comprado.

E o cara que hoje eu sou
é bem parecido com ele em seus bons e maus momentos!
E me dou conta que ele não era uma piada;
- eu é que tenho de me cuidar para não ser!