quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O TREM, AS CEREJEIRAS, O FUJI E AS CONTAS ATRASADAS


Leio!
Confesso
que a mente
começa enuviar...

Tudo é tão inspirador
e tão devastador
e desesperador
quanto o desamor
alheio a dor de amor
começa anuviar...

Desencavo novas idéias
penso frases que
se estivesse num dia bom
anotaria para voltar depois...

Às vezes é tudo uma questão
de uma uma letra:
enuviar?
anuviar?

Ou tudo uma questão
de ficar como está:
história!
estória!

Ou diamantes
ou escória;
idéias aqui e ali
por toda parte...

arte
na orelha do livro
na olheira dos olhos
num banco de praça depredado...

Me sinto suspenso
tolo, vago
num vagão de trem-bala
um estampido de tiro
pela culatra...

Eu tolo, vago
impregnado
de cerejeiras bonitas
com o Fuji ao fundo
fugindo de mim mesmo...

Tokio-Hamamatsu floridas
e eu cá comigo
cheio de feridas
socado numa roupa
de domingo...

Intacto, arrebatado!

E sempre, ao acordar,
( pra não morrer )
dormindo mais dez minutos!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ÂMAGO

eu não sei pra que
um carro de quatro portas...

- eu só ando só!

esmagado, equivocado
babaca cansado

um nó cego no estômago

e um grito mudo 
da boca pra dentro
me calando ainda mais...

me empanzinando,
me formigando,

como se as questões se empilhassem
sem que eu nunca chegasse ao âmago

de nenhuma delas! 

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

SETE DIAS

Dia primeiro do ano uma dor forte
nas costas, no peito,
quase pelo corpo inteiro.

Já era o segundo dia do ano
quando o plantonista frio
diagnosticou quadro leve
de infecção urinária.
Subministrou tramal
buscopan, metoclopramida
e uma ampola de morfina
ao amanhecer...

Sedada ela dormiu
o resto do tempo
e só acordou em casa
no terceiro dia do ano
pelo meio da tarde...

As mesmas dores insistiam!
Nova entrada 
segunda às dezenove
só que noutro hospital...

Mesmo com bom convênio
só foi atendida às vinte e três!
Fez bateria completa de exames
e por volta das quatro
do quarto dia do ano
descobriram que aquelas dores
do primeiro dia
eram de enfarto agudo do miocárdio...

Ainda na manhã do quarto dia
um cateterismo
vasculhou os caminhos do sangue
e achou num ponto
entupimento total
da artéria principal...

Na UTI à noite
conversava como criança feliz
no horário das visitas.

No quinto dia do ano
parecia melhor ainda;
gostava do jardim de inverno
à esquerda da sua cama...

Na madrugada do sexto dia
uma crise absurda de asma;
teve de ser entubada
por que a vida só continuaria
com respiração forçada...

Na hora da primeira
e da segunda visita do sexto dia
quem entrou na UTI viu aquilo
com aperto no peito.
Os braços amarrados
a respiração era pesada
e o coma era induzido...

Todos se foram pra casa
e quando voltaram
para a última visita,
descobriram que a penúltima
tinha sido já a última...

Algo estava muito errado.
A linha do nome da paciente
do leito de UTI número nove
estava em branco;
foi mais meia hora de angústia...

Às nove da noite a notícia óbvia
do falecimento às cinco e meia...
na hora em que eu tomava café em casa!

Disseram que tentaram
avisar a família;
mas meu celular e meu fixo
não me chamaram...

Disseram que tentaram de tudo
mas que na recidiva do enfarto
nada pode ser feito...

Depois só restou 
o silêncio do sétimo dia;
as sensações estranhas;
as lágrimas de chumbo
e os subterrâneos do Jardim da Paz!

[ Relato sobre a última semana de vida da minha mãe. Ela tinha 83 anos e até o fim foi uma pessoa alegre, decidida e positiva. Raramente se queixava das fortes dores provenientes da artrose. Escrevi estes versos desordenados no oitavo dia de manhã. Um domingo. Eu já chorei muitas vezes mas sei que ainda não consegui chorar do jeito que devia. ]