quinta-feira, 6 de agosto de 2009

UM HOMEM QUE SE ESCONDE NA CHUVA

Eu sou o homem que perdeu o nome.

O que toda segunda sai de casa para se esconder na chuva.

O homem que volta domingo para casa

carregando no bolso mais uma semana perdida...


Sinto um vazio esquisito no peito,

uma espécie de consciência aturdida!

Uma gaveta aberta nos pensamentos

e uma culpa muito grande autoatribuída...


Mas quando volto para casa

o primeiro grande susto é ver os móveis em outra posição.

Mas isso só é o bastante para eu me distrair por uns dez segundos...

No décimo primeiro eu já me livro das roupas suadas.


Enveredo o corpo pelo vapor de um banho morno demorado

e, quando acaba, vou atrás dos apitos irritantes do micro-ondas.

O estômago nas costas me faz ter a idéia de ressuscitar do gelo

a sobra de lasanha do jantar a dois que terminou em "bolo"...


Em poucos minutos devoro a porção na frente da televisão.

E, em menos de meia hora, estou entregue a um sono de sofá sem sonhos

que é interrompido pela música na hora do beijo do filme qualquer

que me acorda o corpo com o pescoço em ponto de torcicolo.


Seis da manhã vou esconder de novo o meu rosto na chuva...

Sair por aí para procurar o nome perdido...


Por que em semana de chuva intermitente

é muito mais fácil se manter anônimo na densidade do nevoeiro;

onde sobram mesquinhos e toda espécie de gente que "se acha".

29 comentários:

  1. Eu queria escrever asssim.

    Na minha viagem bati foto de uma folha de plátano, lembrei do seu blog. Acho ela linda. Uma vez trouxe uma de gramado.

    É forte o que você escreveu, sempre forte, entra conversando com os meus sentimentos.

    bjs

    ResponderExcluir
  2. Então falaremos de identidade e eis que o nome me ocorre como sendo uma das primordiais referências ao EU. Olho-me no espelho e pergunto quem sou e logo o solilóquio ecoa em nome, como resposta...
    Na amnésia o nome escapa e com ele traços mnêmicos...
    Caminhamos na chuva e tudo sai do lugar.
    Roupa molhada, cabelo em desalinho cabeça baixa para escapar dos pingos de chuva e os sapatos salpicando a chuva e chutando as águas, suscitam refletir, lembrar que ao chegar em casa, talvez tudo esteja pelo avesso ou de pés ao alto em reformas ou mudanças...

    Belíssimo texto.

    Abraços,

    Mai

    ResponderExcluir
  3. Amo a chuva.... saio de cara levantada, o sol não dói nos olhos.... todos passam correndo.... a rua é toda livre... só os poetas a encaram como é: lágrimas frescas, doces, dos anjos que velam por nós.

    ResponderExcluir
  4. Toda vez que passo por aki é uma surpresa!

    Adoro o jeito inteligente como escreves!

    =)

    ResponderExcluir
  5. Daniel, sou eu quem agradeço porque, de fato, sempre acho que escrevo bobagens.
    .
    Muito, muito obrigada pelo comentário e incentivo.
    Vindo de você, irei considerar.
    Abraço,

    ResponderExcluir
  6. Este texto é uma viagem pelos meandros das nossas rotinas, das nossas solidões, até nos encontrarmos na chuva que nos esconde.

    Um beijo

    ResponderExcluir
  7. Linda reflexão, uma crônica de nossos dias.A lazanha que virou "Bolo", há tantos encontros que viram "bolo", e dormir no sofá dos sonhos envolta na nevoa do insenso,faz mesmo sonhar em tirar os véus, as neblinas, que nos deixam as vezes, anônimos, em lugares por onde há mesmo tanta gente que se "acha"...e nós tão anônimos.

    Um beijo e ótimo fim de semana.

    mARa

    ResponderExcluir
  8. Eu gosto de dias chuvosos
    Gosto de pingos de chuva na pele
    no rosto, amo cheiro de mato molhado, e pisar na relva umida em meus pés quentes.Nunca pensei na possibilidade de se esconder na chuva, estou analisando essa metáfora, se não conseguir, vou perguntar.
    E gostei da tua Poesia, aliás, sempre gosto de tuas letras encadeadas em tantos sentimentos.

    Um beijo e ótimo fim de semana!

    ResponderExcluir
  9. E volto sempre aos caminhos aprazíveis e o teu se configura como acolhedor e benfazejo, porque há plátanos nos galhos e outros, muitos, entapetando o chão...
    E tu me emocionaste novamente e eu estou no chão...(risos)
    E te explico:
    Uma criança e um senhor com muitos anos vividos, me disseram algo parecido com isto que escreveste lá, sobre aproximar palavras.
    Mas eles mencionaram pessoas e coisas...
    " ...tua habilidade de sair escrevendo e de aproximar palavras que no dia-a-dia raramente se aproximam... D.Hiver"
    .
    Eu costumo refletir quando algo assim acontece, e considero relevante tomar consciência e prestar mais atenção nisto. Por vezes nós mesmos não percebemos. Ai chega um outro que vê o invisível e consegue traduzir. Foi isto que tu fizeste agora.

    Então poderei ter a habilidade de JUNTAR, APROXIMAR palavras, pessoas e coisas...
    Vou, sim, Daniel, prestar muita atenção nisto.
    Obrigada, muito, muito.

    Deixo-te um abraço e minha admiraçao.
    mai.vega45@gmail.com
    mai.vega.30@hotmail.com

    ResponderExcluir
  10. Muito interessante o relato de um cotidiano que pode ser o de todos nós, né? Quem não levou um bolo, quem não buscou o resto da lasanha (só senti falta de vc abrir um vinho, mas isso é porque eu sou viciada nesta bebida). Muito gostoso o texto e o esconde-esconde na neblina do dia cinzento. Rapaz, espero que isso seja só uma ficção. Sorrir para o sol e abrir os braços à vida vale mais a pena. =]
    Bom fim de semana

    ResponderExcluir
  11. Uma gaveta aberta nos pensamentos...
    Gostei desta frase, pois acho que as vezes carrego um duplex 12 portas aberto nos pensamentos...rsrs
    Até porque lasanha virar bolo não é uma boa transformação, pois ainda prefiro o salgado, do que o doce ausente que engorda a fome dos sonhos...
    Um abraço na alma...bom fim de semana eum ótimo domingo de dia dos pais...valeuuu

    ResponderExcluir
  12. Fiquei sinceramente encantada com a capacidade de escrever e transmitir sentimentos...lindo... não tem necessidade de se esconder na chuva... quando muito pode fazer amor com ela, porque a chuva pode ser revigorante tal como um banho de mar ao luar, desprovido de vestes.

    Abraço de sol

    ResponderExcluir
  13. Olá Daniel, chamar de amigo? Pode sim, claro...
    Acredito que você tenha muito a falar sobre essa ausência, meu pai era um cara calado, super sincero, as vezes bruto em seu jeito de ser, mas de uma solidariedade latente com todas as pessoas, inclusive estranhos...e deixou este exemplo para mim...
    Posso te fazer um pedido? Pense no que te disse e tente escrever sobre isso. Não sei os motivos, mas entender o ser humano é tão complicado, o que leva as pessoas a fazerem certas coisas...sei lá...
    Talvez o que a gente não saiba é como a pessoa se sente diante suas próprias ações as vezes tão surpreendentes. A vida é assim, e vivo me surpreendendo comigo mesmo hoje em dia...obrigado pelas palavras...
    Um abraço e um beijo com carinho de pai e filho...

    ResponderExcluir
  14. Muito bom texto. É no caminhar, tanto faz na chuva, ao vento, ao sol, que divagamos e vamos andando. Em algum lugar, um dia haveremos de chegar.

    Retribuindo visita e comentário.

    Abraços

    ResponderExcluir
  15. Daniel, claro que posso mostrar e/ou enviar a foto da folha. Não achei o teu e-mail por aqui. Caso não queira enviar o e-mail, coloco em outro blog que tenho e que está parado e você pode ver lá. Da forma que for melhor para você.

    bom final de semana.

    ResponderExcluir
  16. estou aqui, simplesmente sentindo os versos que brotam da alma de um Poeta.
    carinho meu Daniel

    ResponderExcluir
  17. e chove, chove, chove...
    que bonito, Daniel. um abraço.

    ResponderExcluir
  18. Adorei! Amargo, se for verdade, mas lindo em qualquer situação. Também carrego no bolso algumas semanas perdidas. E lasanhas que viram bolos, então...
    Vim pelo blog da Paula Barros e colocarei seu blog na minha lista pq gostei muito. E fica mais fáci voltar... Abraços!

    ResponderExcluir
  19. Amo metáforas, e costumo dizer que saou meio especialista nelas. Acho que as metáforas, muito mais do que traduzir, elas sugerem o pensamento de quem disserte, e mostram, com certa sutileza, a essência, sem mostrar exatamente a realidade.
    Parabéns pelo texto!
    Muito bom mesmo!

    Beijos!

    ResponderExcluir
  20. Menino LIndo!

    Estou escrevendo algo para que saiba sobre o perfume das Tulipas.

    Um beijo Lilás e ótimo Domingo!

    ResponderExcluir
  21. Daniel...
    Levanta-se uma brisa fria
    E precipita-se a chuva
    Uma ducha fria de dor
    Sobre todos os telhados vivos.
    Por cima o céu se fecha
    Deixando apenas sombras que se espalham pelo chão.
    Pensamentos afogados no passado.
    Cai o peso de toda a realidade
    Partindo-as em pedaços de desanimo e lágrimas, lembrando o pedaço de lasanha do jantar a dois que virou "bolo".
    Sensação impotente num estado de ser. De se esconder na chuva.
    Neste clima que nos envolve.
    O tempo é ríspido e vagaroso
    Todos os minutos agora demoram.
    Temos tempo para nos interrogar
    Se seremos o mesmo quando a chuva passar?...

    Beijo Daniel
    Saudades!

    ResponderExcluir
  22. Como falei, eu sempre volto e, agora prá dizer que lembrei que quando eu choro, costumo dizer que corto cebolas ou digo que está chovendo...
    Homem que se esconde na chuva...
    Se esconderia no pranto?
    As chuvas dos homens são convulsivas, o homem se sente humilhado ou molhado por dentro...
    Beijos,

    ResponderExcluir
  23. Oi LIndo, deixei um presente no meu Horizonte, é teu com carinho.

    Beijos!


    (e escrevi sobre o aroma das Tulipas)

    ResponderExcluir
  24. Pois é Daniel... as emoções afloram e nos faz escrever ricos detalhes de algo que nos move!

    Vou caminhar na chuva...

    Tenha uma semana maravilhosa!

    Um beijo carinhoso

    ResponderExcluir
  25. Puxa!
    Como você escreve bem!
    Meus parabéns!
    Muito bom conhecer o seu blog!
    Toda vez que eu sinto a chuva em meu rosto...é o mesmo que lavar a minha alma...um banho de VIDA NOVA!

    Sinta-se muito bem vindo lá em meu cantinho...

    Onde escrevo as minhas verdades com muito amor, coragem, garra e vontade!!

    Beijos,

    Bia Maia

    http://olhardentrodosolhos.blogspot com

    ResponderExcluir
  26. Você consegue me comover, Daniel. Eu não compreendo exatamente o que se passa, mas também não costumo me ater a respostas. Apenas registro o que sinto e agora partilho contigo o que vens partilhando comigo.
    Isto é chuva também, chuva de palavras, emoção e sentimentos que a razão não explica.

    É noite e chove aqui.
    Mas amanhã o sol renasce e amanhã, quem sabe, tenhamos sal sobre os travesseiros?

    Abraços e obrigada.

    ResponderExcluir
  27. Daniel,

    Eu amo ler, amo livros e realmente me apaixonei por "Cem anos de solidão" (os Buendía são magníficos, não acha?). Me encanta a mágica da escrita do Gabriel Garcia Marquez.
    Se quiser uma sugestão, coloque aí na tua lista outro livro dele: "O amor nos tempos do cólera".

    Beijo!

    ResponderExcluir
  28. Olá Daniel, obrigada pela visita e comentários no Letreira. Teu blog também é muito bacana, já estou seguindo. Abs, Sônia

    ResponderExcluir
  29. Daniel,

    apenas um homem verdadeiro! Com seus encantos e desencantos, no vai e vem da vida.

    Beijos

    ResponderExcluir

Adorei a sua companhia no caminho dos plátanos. Volte quando quiser!